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Foto do escritorLuiz Primati

REFLEXÕES Nº 24 — 12/06/2022

Atualizado: 13 de jun. de 2022

Grandes escritores, grandes reflexões. Aqui, todas as vozes podem se expressar.


Leia, reflita, comente!





https://ensina.rtp.pt/



NÃO PARI, MAS VIVE UMA CRIANÇA EM MIM


por Joana Pereira


Vive em mim uma criança de olhos vivos, cheios de luz, e uma boca carnuda, ainda sem os dentes todos. Expressa-se através da minha forma de caminhar, do riso incontrolável que faz baloiçar os caracóis rebeldes. Anuncia-se pela capacidade de adaptação e do meu humor infantil. Ela alimenta-se do que me é recreio, criatividade e graça.

Na compreensão, na ingenuidade e na empatia, ela pula, canta e dança.


Vive em mim uma criança que perdoa fácil, de uma benevolência desmesurada, consciente, mas ingénua, que chega a ferir a própria pele. Ferimentos fundos que cicatrizam rapidamente, porque o esquecimento surge com uma facilidade mórbida. Tudo o que são dores, ela atulha-as num baú escondido nos escombros turvos das caves do cérebro, e deixa que ganhem bolor, até nada dessas memórias restar.

Então, anda nestas cambalhotas, cima a baixo, entre a mágoa e o reerguer, de tal maneira hábil, que vira brincadeira nas poças enlameadas da vida.


Sou cheia, tão cheia, dessa criança que fala a linguagem universal do amor. Envolvido pelos ossos do crânio está o seu coração e, mesmo assim, mostra-se vulnerável… Vê mais além do que ditam as regras, procura encontrar a aceitação da essência humana de cada um, às vezes para lá do bom senso. Aceitando, de tal forma natural, que lhe flui, num sangue quase transparente, o abrigo a todos os pecados do mundo.


Não tive nenhum parto, já que ela vive em mim, entre nascimentos, mortes e ressurreições. Que não me morra a criança! Nem a quero parir, para que ela prospere a sua nobreza pelas minhas vísceras adentro e que me regurgite a singeleza desta menina leoa de espírito leve.




DILETANTISMO


por Ipê


Certeza se existe

finalidade pro fim da vida

é algo que a vida não disse.

Tampouco nenhum morto,

contou em vida, segredo algum.


Pra viver, aprender devemos.

O conhecimento para o fim,

para os descrentes em eternidade,

mais puro não pode ser,

pois é apenas diletantismo.




GENTILEZA ANÔNIMA


por Antônio Carlos Machado


Entre às cinco e trinta e cinco e cinco e quarenta da manhã, ultimamente fria e úmida manhã, chega o meu primeiro ônibus, subo me desviando das pessoas e procuro encontrar no mesmo lugar uma passageira que de uns tempos pra cá leva minha mochila, às vezes ela mesma sinaliza para que eu a encontre mais rapidamente, recebo com um bom dia e um sorriso que a máscara não deixa ver. Vez por outra lhe digo em tom de brincadeira que hoje está mais leve ou mais pesada me referindo ao volume que ela vai carregar por um período de vinte minutos, raramente trocamos palavras, meu humor pela manhã não é dos melhores e é difícil prestar atenção às vozes do rádio que escuto com fones de ouvido e a senhora solícita.


Ela por sua vez como boa parte dos que se sentam, fecha os olhos numa imitação de sono.


Posiciono-me onde é possível manter estabilidade em pé e sigo meio sonado e atento às notícias nesse princípio do dia.


A senhora, assim me refiro porque ela aparenta ter algo entre seus quarenta e cinco e talvez até sessenta anos, há uma certa dificuldade em determinar a idade das mulheres adultas; a senhora está sempre com cabelos presos, não usa nenhum tipo de maquiagem, nem brincos ou quaisquer outros adereços, reparei num relógio, veste-se com muita discrição e para ser sincero um certo conservadorismo, talvez proveniente de sua religião, nada observei, além disso.


Ela não vem todos os dias, o que me leva a pensar que tenha outros trabalhos em outros lugares.


Quando chega próximo ao ponto onde ela desce do ônibus, me oferece a mochila e seu lugar no banco, agradeço, desejo bom dia e às sextas-feiras um bom fim de semana, ela sorri, retribui o bom dia , o bom fim de semana, paga sua passagem e se posiciona na frente da porta.


Somos estranhos, conhecidos, não sabemos nossos nomes, como é comum aos usuários dos coletivos da cidade, creio que em todo mundo cosmopolita.


É uma anônima gentileza em minha rotina diária, coisa infelizmente rara de uns tempos pra cá, tanto o anonimato quanto a gentileza.


O MAIS FORTE


por Alessandra Valle


Enquanto praticava caminhada pelas áreas comuns do condomínio onde moro percebi que um pássaro do tipo bem-te-vi apanhou, com o bico, uma barata ainda viva.


O pássaro a jogava de um lado para o outro e o fato de o inseto estar vivo o atrapalha o voo da ave.


Decerto que a atitude chamou atenção de outros pássaros que vieram ao solo, todos com a intenção de subtrair a barata para si. Foi então que a disputa começou. Outros bem-te-vis piavam alto e bicavam a barata. Alguns canários se aproximaram e tentavam chegar perto da barata, mas eram rapidamente afastados pela onipotência dos bem-te-vis.


O que eles não esperavam, aconteceu. De tanto jogar a barata de um lado para outro, a coitada foi parar um pouco mais distante da confusão, próximo a um franzino canário, que apenas observava a discussão, talvez, porque tinha a certeza de que aquela briga não seria para ele.


O mirrado pássaro aproveitou a deixa e apanhou a barata, mas ao invés de jogá-la para o alto como todos os outros, tratou de saltar o mais rápido possível e, com o inseto no bico, se escondeu na moita.


Os demais pássaros não se opuseram, estavam a piar e a abrirem as asas uns para os outros demonstrando força e tentando dominar o ar daquele território.


O episódio me fez refletir sobre quem é o mais forte. Será aquele que discute e agride? Ou o mais forte é o mais educado, aquele que suporta e evita a palavra fere?


Não estou me referindo à fragilidade interior de sentimentos de inferioridade, demonstrada através do temor, que nos impede de expressar nossas íntimas convicções, dificultando-nos falar, pensar e agir, mas sim da brandura, da moderação, da mansuetude, da afabilidade e da paciência.


Disse Jesus: “BEM-AVENTURADOS OS QUE SÃO BRANDOS, PORQUE POSSUIRÃO A TERRA.” “BEM-AVENTURADOS OS PACÍFICOS, PORQUE SERÃO CHAMADOS FILHOS DE DEUS.”


Por estas máximas, Jesus fez da brandura uma lei e prometeu aos brandos e pacíficos que justiça lhes será feita assim na terra como no céu porque serão chamados filhos de Deus.


A afabilidade a que o Mestre se refere não é dissimulada, como muitos costumam mostrar no meio social a que pertencem através de palavras doces e fictícias virtudes. Percebemos que estes, ao sinal de menor contrariedade ou feridos em suas pretensões, fazem como os bem-te-vis: abrem suas asas e piam bem alto, demonstrando quem manda ali.


Entretanto, dominar não significa se impor por palavras rudes e gestos opressores. Tais atitudes só fazem os demais detestarem a pessoa colérica.


A fortaleza interior está pautada na paciência, na mansidão e na serenidade que permitem o equilíbrio necessário para agir de forma certa, no momento exato. Sem ferir ou denegrir o outro, pois a caridade para com o próximo é a lei primeira de todo cristão.


Fontes de consulta:

Evangelho de Mateus, 5: 5 e 9.

Evangelho Segundo o Espiritismo, IX. Bem-aventurados os brandos e pacíficos.

As dores da alma, de Francisco do Espírito Santo Neto, ditado por Hammed, ed. Boanova.




AINDA ESTOU VIVO


por Luiz Primati IG: @luizprimati


Tive uma semana conturbada, com tudo que já me toma o tempo, acrescido de uma gripe. De início apenas alguns espirros. Depois evoluiu para dores no corpo e dores de cabeça. Por último dor de ouvido e de garganta. Se fossem outros tempos eu ignoraria. Pelo fato de estarmos dentro de uma pandemia infinita, passei a pensar mais seriamente quando chegou o sábado e o mal-estar não abandonou o meu corpo.


— Preciso ir até o pronto atendimento – disse à minha mulher.


— Está tão mal assim? – olhou-me por cima dos óculos, sem largar o celular e sua expressão era de preocupação.


— Não acredito que esteja mal. Entretanto, esse mal-estar tomou meu corpo todo e não quer ir embora. Melhor eu dar uma olhada nisso.


— As suas filhas pensam que você deva fazer o teste da Covid-19 – falou ela com flexão na voz tentando causar pânico em mim. Não me abalei.


— Teste de Covid-19? Julgo que isso seja totalmente desnecessário. Enfim, o médico do P.A. é que decide isso, certo?


— Só estou dizendo o que elas falaram…


— Está bem. Estou indo.


O carro se movimentou pela cidade em busca do pronto atendimento que o meu plano de saúde cobria. O medidor do carro mostrava 28 graus e não havia brisa para soprar o ar para outro canto. Sentia-me com o corpo leve, distante. O fusca que rodava à minha frente parecia sofrer nas trocas de marchas. Vários estouros podiam ser ouvidos e bolotas de fumaça negra escapavam da traseira do fusca. Depois subiam feito um algodão-doce, gigante, porém negro. E na mesma rapidez que a bolota surgiu, se dissipou em seguida. Apenas tive tempo de olhar para as suas rodas, com faixas brancas e ele encostou no meio-fio, na frente de uma casa. Ali devia ser o seu destino, ou o motor parara. Isso pouco importava naquele momento.


Quando cheguei ao P.A. fui informado que não era mais ali que os pacientes se consultavam em emergências. Novamente peguei meu carro que me carregou até o local correto.


Ao chegar, olhei por todo o ambiente para saber quem estava ali, onde estavam os atendentes e como deveria proceder. Avistei um espeto com senhas e uma placa: retire sua senha. Ao tentar apanhar a senha de número 1 fui informado bastar me sentar e seria atendido. Ao responder às perguntas de praxe me encaminharam para a sala de espera. Lá só eu olhava para a placa que dizia: estado gripal.


Para que o tempo não fosse um incômodo, apanhei o celular e vi mensagens das filhas, preocupadas, e logo tratei de acalmá-las. Em breve sairia dali. Não era nada, só um mal-estar e acrescentei que as amava. Em pé, próximo a mim, estava um homem, todo paramentado, com uma máscara tipo shield (escudo) protegendo seu rosto. No corpo eu não via a sua pele, pois a roupa própria e as luvas cobriam tudo, inclusive as suas mãos.


Uma atendente me chamou para a sala de pré-exame. Pediu para que eu me sentasse e passou ao interrogatório: nome dos pais, sintomas, febre, pressão, doenças hereditárias etc. Colocou um aparelho em meu dedo e o aparelho de pressão em meu braço. Enquanto esses aparelhos analisavam o meu estado, apontou um revólver para a minha cabeça e tive a sensação de que seria abatido ali mesmo. Era apenas para medir a febre. A atendente olhou para o visor do aparelho e franziu o cenho. Eu fiquei preocupado.


— Alguma notícia ruim? — descontrai rindo.


— Esses aparelhos falham muito. O senhor possui alguma placa metálica no corpo? – perguntava a atendente ainda com o cenho franzido.


— Na testa? — respondi espantado.


— Ou em outro lugar do corpo? — questionou-me.


— Que eu saiba, não — essa pergunta me inquietou.


— Vamos tentar novamente… — disse ela sem muita felicidade na face.


Ela disse “vamos tentar” como se eu estivesse envolvido nisso. Ela deveria ter dito que "iria tentar novamente" e assim o fez. Novamente franziu o cenho e dessa vez eu pude ouvir um apito baixo, agudo.


— Deu certo agora? – Uma tarefa tão simples como medir a temperatura parecia algo difícil, pensava eu.


— Receio que o aparelho esteja quebrado — ela martelou algumas teclas em seu computador e voltou a me questionar. — O senhor lembra de ter tido febre por esses dias? Chegou a medir?


— Um dia eu medi e deu 37.2… — disse timidamente.


— Estado febril! Nada de mais — afirmou a atendente.


Meu corpo ainda estava acoplado a dois outros aparelhos. A atendente olhou para o aparelho na ponta do meu dedo, que media o nível de oxigenação, retirou-o e colocou-o novamente. O aparelho de pressão apitara, ela olhou e franziu a testa novamente. "As pessoas que trabalham com pacientes deveriam usar Botox na testa para não ficar assustando-nos" — pensei.


— O senhor tem pressão alta? – falou comigo, mas olhava para a tela de seu computador.


— Sim, sempre tive, por quê? Seu sistema não tem isso registrado? Já trato desse mal há 20 anos — falei já sem paciência.


— Não senhor. Esse é o sistema Manchester e não tem o seu histórico —falou em tom rude. — Mas de quanto é a sua pressão normalmente?


— Bem, sem controle ela fica em 14x10. Com remédio 12x8, 13x8, perto disso — falei.


— Hum! – ruminou a atendente e recolocou os aparelhos em mim. Eles apitaram novamente e a sua testa continuava franzida. Supus que a sua testa era assim naturalmente.


— Tenho algum problema? – perguntei com medo da resposta.


— Não, não! Deve ser o calor que anda afetando os equipamentos — falou de forma rápida, disfarçando e olhando para seu computador.


Realmente estava bem quente. A atendente não tirou os olhos da tela e logo pegou o aparelho telefônico, digitou alguns números e falou:


— Dr. Paulo, pode ver a ficha do paciente que acabei de enviar ao senhor? – Ela ficou em silêncio por alguns segundos e desligou o telefone.


A mulher abriu uma gaveta em seu lado esquerdo e retirou uma pulseira roxa, envolvendo meu pulso com ela.


— O senhor aguardará o atendimento do médico. Esse homem o acompanhará — apontou ela para o lado direito.


Olhei para cima e lá estava o homem, paramentado, armado, forte igual a um armário. Levantei-me e segui-o.


Andamos rumo a uma área desconhecida, caminhando por um longo corredor e ele me apontou a cadeira em que deveria aguardar. Senti-me desconfortável. O ambiente tinha pouca luz e consegui ler numa placa distante a palavra: quarentena. Fiquei preocupado e apanhei o meu celular.


— Senhor, receio que eu tenha que ficar com o seu aparelho. Nessa área não é permitido o uso de celulares — disse severamente e até me assustei com sua atitude.


— Está bem. Eu guardo no bolso – fiz o gesto de recolocá-lo nas calças e ele interveio.


— Senhor, vou ter que ficar com a guarda de seu aparelho. Ele será devolvido quando sair — seu olhar era rude e resolvi não discutir. Entreguei-lhe o aparelho.


Fiquei olhando em volta, tentando entender o que acontecia naquele ambiente e fui surpreendido pelo barulho de rodas girando, atritando contra o solo. Era uma maca, daquelas com rodas, que se usa em resgates. Um homem empurrava a maca e ao lado dela mais (dois) outros homens. Eles tinham pressa. Usavam roupas amarelas, daquelas que vemos em filmes em que há vazamento tóxico. Eles pararam diante de mim.


— Senhor Luiz? — acenei com a cabeça confirmando.


— Queira se deitar na maca, por gentileza… — disse o homem número 1.


— É mesmo necessário? — assustei-me.


— É pela segurança de todos. Procedimento padrão — respondeu o homem 2.


Subi na maca e me deitei. O homem número 3 tirou os meus sapatos enquanto o homem 1 e 2 me ataram fortemente.


— Ei, é mesmo necessário isso? — estava irritado e assustado.


— Normas internas — respondeu o número 3.


O homem número 2 colocou uma máscara em meu rosto para eu respirar oxigênio puro e logo saíram em disparada pelos corredores do hospital. O destino foi numa sala que cheirava a esterilização e anestesia. A preocupação aumentou. A máscara não me deixava falar e quando eu tentava, somente alguns sons abafados saiam pelo respirador. Eu tentava soltar as mãos e elas estavam imóveis. Os homens 1, 2 e 3 saíram e logo uma equipe com médico, anestesista e enfermeiros chegaram.


“Meu Deus! Será que me confundiram com outra pessoa?” — pensava,


— Luiz, fique calmo que o procedimento é simples e vai ocorrer com tranquilidade — disse-me o médico.


— Procedimento? Vocês devem estar me confundindo — disse eu com a voz distorcida.


— Anestesista? Aplique a peridural. Não quero ninguém se debatendo — ordenou o cirurgião.


— Anestesista? Parem já! — eu gritava, em vão.


Depois que senti a picada, eu pouco tempo as vozes deles eram sons confusos e distantes. Eles tiraram as minhas roupas e colocaram um avental azul-claro.


— Ligue para a central e veja se conseguiram chegar ao paciente zero – disse o médico, pelo menos foi isso que entendi.


— Eles estão checando os lugares que ele frequentou nos últimos 15 dias. Alguns locais não possuem câmeras e poderá demorar mais — disse um dos enfermeiros.


— Não podemos esperar. Vamos aplicar o procedimento padrão — disse o cirurgião, preocupado.


— Certo Dr., todos estamos prontos — respondeu o anestesista.


Senti o meu corpo totalmente desnudo e meu peito sendo rasgado pelo bisturi elétrico do cirurgião. A dor não era grande, era algo parecido com cócegas e depois disso apaguei.


Eu fiquei desacordado, porém, conseguia ouvir as vozes das pessoas. Quando percebi eu estava em pé, atrás do médico e de seus assistentes, olhando para alguém deitado na mesa de cirurgia. Eu me sentia bem e acredito que o procedimento fora um sucesso. Eles deveriam estar cuidando de outro paciente e resolvi sair daquele lugar. Achei as minhas roupas num cesto e as coloquei, largando o avental sujo de sangue por ali. Ainda ouvia eles gritando: “Estamos perdendo o paciente, adrenalina…”. Bem, eu estava vivo e aquele paciente era problema deles agora. Resolvi voltar para casa sem entender ainda o que acontecera.


Arrastei meu corpo por corredores confusos até achar a saída. Muitas macas e enfermeiros corriam por ali e quase me atropelaram, caso eu não tivesse movido meu corpo rapidamente para o lado. Sai do P.A. e fui até o meu carro e não consegui abrir a porta. Depois de muito tentar estava sentado no banco do motorista e nem me lembro como fiz isso. Deveria ser o efeito da anestesia. Tentei ligar o carro sendo esforço em vão. Uma caminhada foi o que escolhi fazer, afinal meu apartamento estava a menos de 500 m daquele local.


Ao chegar ao prédio tive que esperar que outras pessoas abrissem o portão, pois não sabia onde ficara o controle. Entrei junto delas e agradeci. Elas nem me olhavam e julgo ser porque eu estava sem máscara. Ali todos devem usar e sei que violei as regras, mas eu não sabia onde a deixara. No elevador tive que pegar carona com alguém, pois meus dedos não conseguiam apertar o botão do sexto andar. A anestesia deixava meu corpo dormente e não sentia o toque para apertar o botão corretamente. Após meia hora passeando de elevador para cima e para baixo, o meu vizinho apertou o número 6 e finalmente consegui chegar. Ele fechou a cara em sinal de repreensão pela falta de máscara e tentei explicar-lhe, porém a voz não saia. — Que droga ficar dessa forma, anestesiado…


Bati na porta para que minha mulher abrisse devido à chave que sumiu. Ela não escutou e deveria estar dormindo, com seu corpo desmaiado no sofá ou na cama. Só me restava esperar até ela acordar. Bater na porta poderia incomodar os vizinhos. Se eu tivesse meu celular de volta, ajudaria…


Adormeci no corredor do apartamento e quando abri os olhos estava sentado na cadeira, na mesa de jantar. Minha esposa dormia. Eu a olhei dali mesmo, sentado à mesa. Aproximei-me dela e passei a mão em seu rosto e nada de sentir a sua pele. O efeito deve demorar a passar — pensei. Fiquei ali, acariciando o seu rosto e ela dormindo como um anjo. Seu telefone tocou e tive a sensação de que o visor mostrou mais de 50 chamadas perdidas. Tentei e não consegui atender para ela.


Sentei-me no chão, juntei os joelhos e os abracei. Apoiei a cabeça sobre tudo e fiquei admirando-a. Ela acordou depois que o celular arrebentou de tocar.


— Alô? Como assim? Ele só foi fazer um exame de gripe… – Ela estava assustada, passando a mão nos cabelos e esfregando os olhos. — Não acredito no que está me dizendo. Deve ser engano. — Ela desligou o telefone.


Eu sorria para ela e dizia estar ali. Ela me ignorava. Deveria ser a pouca luz.


— Alô, filha – disse minha mulher atendendo ao celular, enquanto bocejava. Escutou por um tempo e depois falou: — Tem certeza de que é o seu pai? – As lágrimas brotavam em seu rosto. Comecei a ficar preocupado. — Ele foi apenas fazer uma consulta e pegar remédios para gripe… – Mais alguns segundos de silêncio e as lágrimas já estavam rolando sem controle, face abaixo. — Está bem filha, venha rápido. Vou te esperar.


— Ei, meu amor! Estou aqui… – ela continuava me ignorando. — Sou eu!


— Oi! Prima, o Luiz se foi. Acabei de saber pelo hospital… – Minha esposa chorava demasiadamente enquanto desabafava com a prima e eu estava bem confuso.


Olhei para as minhas mãos, meus braços e pernas. Toquei em mim mesmo. Era eu. Será que ela não enxergava?


— Eles não disseram muito, apenas que ele não resistiu ao procedimento. – Silêncio. — E eu sei lá que procedimento era esse? – Mais silêncio. — Estou esperando as minhas filhas chegarem para ir buscar o corpo. Não sei nem por onde começar e agradeço a sua ajuda – desligou.


Meu Deus! O que estava acontecendo? Seria possível? Resolvi voltar ao hospital.


* * *


— Senhor… — senti um chacoalhão no braço e acordei.


— Oi, você é um anjo? Eu morri? — falei confuso.


— Não senhor — a atendente riu. — Ainda está vivo.


Olhei para ela tentando entender o que acontecia. Eu estava na cadeira da sala de espera.

— A atendente está chamando o senhor já faz uns 10 minutos.


— Obrigado! — Levantei-me e entrei na sala de pré-avaliação.


* * *


Essa história foi um sonho que criei com minha mente enquanto aguardava o atendimento num P.A. de verdade. Existem muitos relatos de pessoas que foram até o hospital para tratar da gripe e não retornaram para seus lares. Para todas as famílias que passaram por situação semelhante, meus profundos sentimentos.


Que tal você dizer à pessoa que está ao seu lado que a ama? Isso não fará nenhum milagre acontecer, no entanto, fará um bem enorme a ela e a você mesmo.



NOS SEGREDOS DAS ESTACÕES


por Simone Gonçalves


Segredos de um amor

revelados em cada estação

numa louca entrega

da grande paixão

sonhos despertados na doce primavera

sob o encanto das manhãs floridas

no cantar suave dos pássaros

nas noites quentes de verão

ao som do mar tão sereno

o amor se revelava na sua força

no outono a paixão incendiava

unindo em harmonia os corações

que já não tinha como se separarem mais

inverno por fim chega

segredos do amor revelados

no percurso das vidas entrelaçadas

no desejo de sempre se amarem




PAÍS DA ENGANAÇÃO


por José Juca


Vivo num país de injustiças e ilusões!

A discutir fato ou fake,

Sem liderança e organização,

Da alta absurda do combustível,

Do descontrole da inflação…

Não cuida do meio ambiente…

Fato ou fake,

Do presidente, deputados, influences…

Grande parte da nação…

Ignoram leis, desrespeitam qualquer instituição…

De interesses escusos, a ignorar a constituição…

Sem liderança ou organização,

Do “líder” desrespeitado…

Por pares, bem como, maior parte da nação.

Autossuficiente em Petróleo…

Sem controle de alta, sem noção…

Atrela este a moeda estrangeira,

A mercê, e favorecer micros milionários da população…

Além do mais, vivemos uma galopante inflação

Com pior reflexo, na classe pobre e miserável,

A passar fome, dormir a mendigar ajudas sociais,

Desamparada pelas instituições…

De um meio ambiente esquecido pela federação,

País que mais desmata no mundo,

Descuidado na proteção,

Segundo observatório do código florestal,

Não cumpre a legislação…

Então, se fake ou fato,

Real, é que mais desmata…

Mais mata…

Saúde do descaso…

Também não cuida da educação…

Portanto…

Impera a ignorância, os abusos, a manipulação…

De uma política suja,

Com olho no próprio umbigo,

A cuidar de si, de seus pares…

A ignorar a nação.




VIVEMOS NO PASSADO


por Arléte Creazzo


Engraçado como o ser humano tem a capacidade de ser muito feliz com aquilo que já passou.


Lembramo-nos de natais memoráveis com a família, passeios com amigos, época escolar, tudo com muito carinho, tudo o que já passou.


Os natais de família, sempre bagunçados, sem confirmações dos parentes, pessoas querendo trazer os mesmos pratos, presentes a pilha sem virem com pilha, tudo é lembrança boa.


Os passeios com amigos, onde cada um queria ir a um lugar diferente, não combinavam na hora de almoçar, cada um querendo um prato, mas com excelentes lembranças.


Os passeios em família eram sempre os mesmos, com os mesmos parentes. Viagem à praia onde levávamos seis horas para viajarmos 100 km, ou os piqueniques à beira da estrada, onde éramos atacados por formigas, tendo que correr com os alimentos para outro lugar.


Memórias inesquecíveis, que juramos poder revi vencia-las com o maior prazer.


Estamos sempre pensando que o passado foi melhor que o presente.


Será mesmo?


O problema é que o ser humano nunca está satisfeito com aquilo que tem. Sempre almeja algo que não está ao seu alcance no momento e com isso perdemos os ótimos momentos vividos no passado, enquanto eles estão acontecendo no presente.


Há segredo para sermos felizes?


Deve haver, porque nunca estamos satisfeitos, sempre procurando algo que não encontramos, ou melhor, não enxergamos.


A felicidade pode estar diante de nossos olhos, mas estamos sempre tão ocupados em pensar que não somos felizes que não a vemos.


Ou será que não nos consideramos merecedores da felicidade?


Devemos e precisamos ser felizes já, o tempo é implacável, ele não nos aguardará até que aprendamos a ver a verdadeira felicidade.


Ou será que viveremos eternamente no passado?


Será que terei que esperar o amanhã, para descobrir como fui feliz hoje?




ATEMPORAL


por Miguela Rabelo


E você

Foi para mim,

O melhor sonho

Como um canto sereno

De acalento

De tudo aquilo

Que mais precisava...


A melhor companhia

Para os dias certos

E também incertos.

O olhar mais terno

E doce que já conheci...

O amor mais genuíno

Que vivi...


Mas nesta vida,

Que somos assim

Tão passageiros…

Você partiu antes

De mim...


Me deixando

Com a alma em pedaços

Não sabendo assim

Como cicatrizar

Essa ferida

Impalpável

Que lateja

A ausência de tudo

Que um dia fomos...

Um para o outro,

Como Adão e Eva

Em um paraíso distante...

Onde tudo

Só para nós...

Fazia sentido.


Mas como o brilho

Pueril dos teus olhos

Carregarei dentro de mim

O melhor de ti

Que hoje se materializa

Aqui...

Me fazendo ser melhor

Que ontem...


Porque hoje,

sou mais eu...

Porque sou você,

Dentro de mim…




AS ALEGRIAS


por Stella Gaspar


As alegrias são as doçuras dos momentos, acariciadas pelos sorrisos que podem ter a forma do dia ou da noite. Com elas nos divertimos, batemos palmas, tocamos nos braços, no rosto ou no ombro do outro (a).


Para a psicologia, a alegria é um estado fundamental para os seres humanos, sendo algo que traz força nos momentos em que é necessário adotar mudanças na vida. Ela é descrita também, como um afeto com um caráter forte de liberação de entusiasmo e que promove, ainda a autoconfiança.


Do latim “alacritas” ou “alacer”, a alegria possui o significado de animado ou vivaz, alegria é o estado de satisfação interior, um sentimento que gera contentamento em alguém. Ela é o oposto da tristeza.


Nas alegrias saciamos as fomes de nossas almas, que com elas estamos querendo sempre o bem, desejando que nossos caminhos sejam paradisíacos. É como uma amorosa paixão, com o sorriso de uma alegria saindo do coração, pousando em ninhos de contagiantes estados de felicidades com momentos alegres.


Nas alegrias, os sons dos sorrisos se transformam em pássaros cantores. Elas são temperadas com bálsamos saborosos, com gosto de felicidades.


É uma sorte para aqueles que saem do deserto da sisudez, entrarem no oásis das alegrias. Um lugar de suavidades, repleto de superações, das dificuldades humanas.


Embora a emoção do estar alegre possuir momentos passageiros, é importante a existência das alegrias em nossas vidas. Ah! As alegrias são coloridas e penetram em nossos poros, nos dando ondas de satisfações.


Quem é que não tem alegrias?

Aquele que está com a sua razão entorpecida, paralisada.

Aquele que sente o corpo sofrido com desejos de vida, que foram reprimidas.

Pobres almas, doentes e dominadas pelo desamor.


Somos livres, embora sempre buscamos pela liberdade concebida por nós, mas somos sedentos por luzes estrelares, queremos sempre a harmonização com o bem.


A alegria é como um poema infinito.

Sorrir e viver uma vida mais leve e contente libera substâncias no corpo que promovem sensações benéficas. O riso eleva os níveis de dopamina, que é uma substância que ajuda a trazer a sensação de prazer e é responsável pela alegria.


Por amor a você, expulse de si as sensações que te deixam sem sentir a vida que lhe foi presenteada por um ser nobre e superior, se apresentem às alegrias e renasça todos os dias. As doçuras da vida em momentos de alegrias te esperam com um banquete de flores para teus sorrisos.


Finalizo com um ditado maravilhoso que diz: “O que a vida nos prometeu, nós queremos, em função da vida, cumprir!” (Nietzsche, Friedrich Wilhelm, 1844-1900. In Assim falava Zaratustra. Editora Pé da Letra, 2021 p. 54).




RECUPEREM CAMÕES


por Joana Rita Cruz


Camões?

Zarolho, louco

Oh, há de tudo

Um pouco.


Mas quem veio

O povo português

Cantar

“In média rés“.


E quem veio criar

A lenda e o povo

Dos heróis do mar

Que são um todo.


Já nos esquecemos

Diminuímos o país

E o Adamastor

Oh, agora sim tu te ris.


Porque o português

Nem tenta dobrar o cabo

Deixa-se ser insignificante

E desaparecer afogado.


Povo de artistas

Da tradição marinheiros

Não abulem as touradas

Nem largam os dinheiros.


Trabalhadores injustiçados

Governadores indecisos

Estudos desperdiçados

No estrangeiro submissos.


E vem o tremoço

Juntem o futebol

Violência ou desporto

Depende do dia e do sol.


Juntem o azeite

O chamado bacalhau

Dizerem que somos Espanha

Isso sim é ser mau.


Fomos conquistadores

Meio mundo em nossas mãos

E agora simples pedintes

Poucos ainda sãos.


Nas ruas de Lisboa

Não há mouros ou cercos

Mas há ganância

E arte em becos.


Na rua estão os poetas

Esquecidos nas paredes

Do café onde nas tertúlias

Surgiam da poesia sementes.


É dia de Portugal

É dia de Camões

Oh portugueses acordem

Valemos mais que tostões.


Somos guerreiros

Independentes

Homens de cultura

E não deprimentes.


Ainda é tempo

“In media rés“

Voltem ao mar

Molhem os pés.


Sejamos Camões

Viremos lendas

Encham os canhões

Rezem as novenas.


Marchar, marchar

Não se deixem cair

Venham lutar

E Portugal reunir.


Às armas.




DIVERSIDADE


por Wanda Rop


Como é complexo viver

Num país com diversidades

Onde as diferenças existem

E não são aceitas pela sociedade


Dependendo do ambiente

Não haverá acolhida

Suas opções, raça, gênero e religião

Podem isolá-lo em vida


Dor cruel e silenciosa para muitos

Numa luta desigual pela igualdade

Exigir e lutar por constitucionais direitos

É o que tornará melhor a nossa sociedade


O que é ser diferente?

O que nos torna inferior?

Por que há tanto preconceito?

O que importa a idade, sexo e cor?


Somos humanos e falhos

Deus nos fez todos irmãos

Lute por um mundo mais acolhedor

Com fraternidade e amor no coração.




SIGA EM FRENTE


por Lucélia Santos


As vivências e experiências nos ensinam, nos preparam e nos fortalecem.


Ao ficar pesaroso por algo de ruim que alguém te fez, pare para pensar sobre a lição que aprendeu e em como você está sendo treinado para as próximas etapas da sua vida.


Se te feriu, perdoe. Não permita que um sentimento ruim faça parte da sua vida. A mágoa adoece somente quem a sente. É como se envenenar e esperar o outro morrer. Vale mais pensar que todos somos imperfeitos e erramos muitas vezes, em palavras e ações. Então, vamos nos perdoar.


Existem cargas, que são pesadas demais para carregar. Perdoe o seu pai, a sua mãe, se fizeram algo que te feriu, não leve adiante, a vida não foi fácil para eles também. Seja grato por terem te trazido ao mundo. E os abrace, ame e respeite em troca. É o mínimo que podemos fazer. Permita-se ficar chateado e triste por algo, mas não aceite que isso perdure.


Dentro de si, no seu coração, carregue os melhores sentimentos. Esteja presente na vida dos seus filhos, se errar, é humano, não fique carregando culpa. Apenas dê o seu melhor.


Não espere muito dos outros, cada um dá aquilo que tem e carrega uma bagagem, uma história de vida. Apenas seja você! E também não exija demais de si mesmo, todos temos nossas limitações. Aprenda a dizer não, a se priorizar, a se amar, a se cuidar. Depois, estará mais preparado para se relacionar.


Ninguém é responsável pela nossa felicidade, apenas nós mesmos. Nosso próximo, é só um complemento. Se for para sorrir, faça com vontade e barulho, se doe num abraço, mergulhe profundo em um beijo.


Se entregue às boas e gostosas emoções.Você não é só defeitos e problemas. Alguém está nesse mundo por sua causa. Respirar, é uma prova de quem alguém te ama e vibra pela sua existência.


Siga em frente! Procure se conhecer, se observar, melhore no que for preciso por você, não viva para agradar a outros. Se ficar doente, cuide! Não se entregue a pensamentos ruins, a vida é uma viagem cheia de obstáculos espinhosos.


A positividade contribui para um coração e corpo saudável. Se acolha, se abrace, converse com sua criança interior. E a ajude a chegar na vida adulta, onde se aprende a se cuidar e superar os traumas de infância. Pois, precisamos continuar nossa viajem, e selecionar bem, tudo que vamos colocar na nossa bagagem.




MUDANÇAS


por Rick Soares


Às vezes queremos voltar aos locais e momentos

que já fomos felizes alguma vez na vida.

Mas os locais já não são mais os mesmos,

os momentos ficaram no tempo...

e nós não somos mais aquela pessoa.





NOSSOS COLUNISTAS


Da esquerda para a direita: Alessandra Valle, Luiz Primati e Antônio Carlos Machado. Depois José Juca, Ipê e Joana Pereira. Depois Simone Gonçalves, Miguela Rabelo e Joana Rita Cruz. Depois: Arléte Creazzo, Wanda Rop e Lucélia Santos. Por último: Stella Gaspar e Rick Soares.

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5 Comments


sidneicapella
sidneicapella
Jun 16, 2022

Escutei e li, muito bom, vou aprendendo!

Obrigado!

Parabéns a todos colunistas!

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Excepcional essa edição, Parabéns a todos!

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Stella Gaspar
Stella Gaspar
Jun 13, 2022

A vida é uma reflexão constante. Esse Caderno de Reflexões, segue essa direção, cada vez de forma mais dinâmica. Uma a uma lida e escutada , me fez muito bem! 😍

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Joana Cruz
Joana Cruz
Jun 12, 2022

Esta edição e este episódio do podcast ficaram simplesmente incríveis uma grande abertura com o texto da Tem juízo Joana que nos lembra o quanto a nossa criança interior faz parte de nós, vários textos que refletem sobre o passado incluindo um final arrebatador do Rick, sobre as memórias e que dão uma imensa nostalgia, achei muito engraçado a coincidência de temas. Um relato intenso do Luiz Primati que me abalou e ainda adorei como tanto eu como o José Juca acabamos refletindo sobre os nossos países com uma visão crítica e política. Os textos e temas acabaram se relacionando todosum pouco uns com os outros nesta edição!

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Luiz Primati
Luiz Primati
Jun 12, 2022

Quanto texto cabe nesse caderno? Quantos colunistas? Quantas reflexões? Infinitas! Assim é o coração da Valleti Books: grande, quente, acalentador, vibrante! Venha participar desse caderno mágico.

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