Alessandra Valle mostra o quanto seu trabalho influencia a sua vida pessoal. É muito difícil separar o profissional do pessoal, principalmente quando existe envolvimento com crianças. Eu, Luiz Primati, trago a terceira parte de um conto de 2018, publicado inicialmente no Facebook em partes e depois entrou para o livro: "Velhas Histórias Urbanas" que foi baseado num fato. O nome do conto é "A Emparedada da Rua Nova". Ricardo dos Reis nos traz mais um conto "O cachorro que caiu da mudança".
Esse caderno tem a intenção de divertir os nossos leitores que, sempre acabam tirando algum ensinamento para suas vidas.
Leia, Reflita, Comente!
PREVENÇÃO AO DESAPARECIMENTO DE CRIANÇAS
por Alessandra Valle
Tendo em vista uma semana intensa de trabalho e afazeres domésticos, eu estava precisando de uma folga, visando o bem-estar físico e psíquico.
Algumas profissões são exaustivas e, sem dúvida, policial e do lar são dessas.
Quando finalmente o dia de folga chegou, eu e meu filho nos programamos, decidindo que lugar gostaríamos de visitar.
A decisão foi unânime: iríamos passear no shopping-center. O lazer incluiria almoço, brincadeiras no espaço reservado aos jogos eletrônicos e cinema, sendo este último o nosso preferido, o qual não podem faltar pipoca e chocolate.
Todo planejamento foi fielmente cumprido e na hora marcada da sessão de cinema fomos comprar os ingressos.
Enquanto estava escolhendo as poltronas onde nos acomodaríamos durante a sessão, me distrai e não percebi meu filho se afastar.
Ao terminar de pagar pelos ingressos, olhei ao redor e não o encontrei. Aumentei o raio de visão, mas continuei sem o avistar.
Com o coração acelerado me afastei do guichê na tentativa de aumentar o campo de visão.
Foi quando o tormento se instalou em mim, as mãos e pernas já estavam trêmulas e gritei com toda força que meus pulmões permitiram, chamando pelo nome de meu filho.
Percebi que as pessoas ao redor se assustaram e paralisadas, estavam a me olhar.
A verdade é que desconsiderei o que as pessoas poderiam achar de mim, talvez que eu estivesse louca, entretanto, não era o filho delas que estava desaparecido.
Assim como elas paralisaram assustadas com meu grito, meu filho também paralisou à frente da loja de brinquedos que fica próxima ao cinema.
Após abraçá-lo, chorei de emoção, pois senti por poucos minutos o que uma mãe sente quando um filho some.
Claro que ele levou uma bronca por ter se afastado de mim sem me avisar, entretanto, sei que as crianças devem sempre estar sob a supervisão de adulto responsável.
— Eu só queria brincar, mamãe – disse meu filho, enquanto nos abraçamos.
O passeio prosseguiu e finalmente, fomos ao cinema.
Até hoje não me recordo qual filme assistimos no meu dia de folga, pois o episódio do "desaparecimento" de meu filho foi excessivamente marcante.
A partir de então, passei a reanalisar mentalmente os casos antigos de desaparecimento de crianças dos quais participara das investigações e a prestar atenção nas suas causas.
São quase treze anos de enfrentamento e prevenção ao desaparecimento de pessoas, portanto, muita bagagem e experiência profissional fazem parte da minha trajetória como policial investigativa.
Percebi então, que algumas crianças que desapareceram estavam sem a supervisão de adulto, outras aceitaram convites ou presentes de pessoas mal intencionadas para as acompanharem.
Ainda havia aquelas que, ao se perderem de seus responsáveis, não estavam identificadas e não sabiam informar seus nomes, telefones ou endereços para contato.
Desejei fazer algo pela prevenção ao desaparecimento infantil. Pensei em instruir pais e responsáveis, mas essa tarefa é fácil. Eu desejava ir além.
Gostaria de falar ao coração da criança, sem imposição ou causar medo, como a antiga e assustadora figura do "homem do saco que leva as crianças".
O assunto povoou minha mente por meses, até quando, durante uma madrugada, acordei sobressaltada com uma ideia: escrever uma história infantil que ajude a prevenir o desaparecimento de crianças.
Essa história não deveria ser apenas instrutiva, precisaria ser lúdica e estar contextualizada no ambiente da criança.
Pus-me a escrever e quando o dia clareou a história estava pronta. Início, meio e fim. Enredo, espaço, tempo, narrador e personagens bem definidos.
Um conto repleto de brincadeiras que ensinam, mas também traz o suspense, sempre presente em uma boa história policial.
Surgiu então, a história LÁ VOU EU que será publicada em breve.
Quanto ao meu filho, segue travesso e pregando-me peças, por isso mesmo, é um dos personagens desse livro.
Não temos tempo a perder. Crianças precisam ser esclarecidas e nenhum pai, mãe, avós ou titios devem sentir a dor do desaparecimento dos seus "pequenos-grandes" amores.
A EMPAREDADA DA RUA NOVA
por Luiz Primati
IG: @luizprimati
CAPÍTULO III — DECEPÇÃO
Sabrina chegou acabrunhada para falar com a mãe. Isabela sabia que algo acontecera. Cada vez que Sabrina se colocava em posição inferior era porque tinha aprontado algo.
— Desembucha logo Sabrina — disse Isabela sem paciência.
— Antes eu pudesse fazer isso…
— Fazer isso o quê? Ficou louca garota?
— Desembuchar…
Isabela ameaçou retrucar e logo lhe veio à mente o significado das palavras de Sabrina.
— Não! Não me diga que você está grávida? — falou Isabela atônita.
— Bem, eu não sei. Faz dois meses que as regras não chegam…
— Sabrina do céu! Não sei se choro ou riu. Você não poderia estar grávida. Não merece o mesmo destino que eu…
— Que destino mãe? O destino de ter tido uma filha sem querer? É por isso que você me maltrata tanto? Ainda bem que meu avô gosta de mim. É melhor que ser rejeitada por 16 anos e descobrir isso no momento que mais precisa de apoio… — As palavras saíram tristonhas na voz de Sabrina.
— Não é isso minha filha… — Isabela se sentiu culpada e abriu seus braços. — Venha aqui me dar um abraço.
As duas enroscaram seus corpos num abraço longo e caloroso. Isabela vivia em sua mente o dilema entre ser avó e administrar a ira do marido. Precisava transformar aquele momento difícil em uma dádiva de Deus.
— Temos que contar ao seu pai. Seria bom que Igor estivesse presente — disse Isabela à filha.
— Mãe, acho melhor a gente resolver isso em família. Não quero envolver Igor nesse momento.
— Está bem Sabrina. Vamos enfrentar seu pai. Mas já aviso que deve se preparar. Não vai ser uma tarefa fácil.
Isabela escolheu sexta-feira à noite para falarem para Pedro Paulo sobre o que acontecia. Era o dia que ele ia ao cais buscar peixes e sabia que estaria cansado, portanto, mais vulnerável.
— E então? O que querem me dizer? Já é o momento de decidirmos para qual faculdade Sabrina vai? Tenho ótimas ideias sobre isso… — Pedro Paulo abriu uma cerveja e se sentou confortavelmente em sua poltrona.
— Não, Pedro Paulo. Não é sobre a faculdade… — disse Isabela com cautela.
— Seria sobre o ensino secundário? Está com notas baixas Sabrina? Não admito que tenha notas baixas já que você só se dedica aos estudos…
— Trabalho no minimercado todos os dias… — falou Sabrina em tom de revolta.
— Trabalha porque quer. Não precisamos de você por lá — disse Pedro Paulo Irritado.
— Meu amor, vamos serenar os ânimos? A conversa é mais séria — disse Isabela segurando Pedro Paulo pelos braços. Imediatamente colocou sua cerveja sobre a mesa. Queria escutar com toda a atenção que fosse necessária.
Um silêncio se fez na sala. Isabela olhou para Sabrina, a induzindo a contar. Mas ela se limitou a abaixar a cabeça e aguardar que a mãe continuasse.
— Pois bem, Pedro Paulo… Lembra quando a gente namorava? Quando eu tinha a idade de Isabela? E queríamos desbravar o mundo todo? — disse Isabela com brilho no olhar, como se estivesse sido transportada para a sua adolescência.
— Claro que me lembro. Foi uma época feliz. Pena que durou pouco… — Pedro Paulo falou em tom triste, pegou a cerveja e tomou mais um gole.
— Então, Sabrina também tem esses mesmos desejos. Mas infelizmente seu futuro sonhado sofrerá uma interrupção — disse Isabela tristonha.
— Mas por quê? Sabrina, está pensando em se tornar uma freira? Acha que se recolher ao convento é uma opção saudável para sua vida? — disse Pedro Paulo ainda não fazendo ideia do que acontecia por ali.
— Não meu pai. Não quero ir para um convento. Imagino que o requisito principal eu já não possua mais… — Sabrina disse isso em tom de tristeza e logo ao terminar a frase se colocou de costas para ele. Não tinha coragem de olhar em seus olhos.
— Não estou entendendo… Você cometeu algum pecado mortal? Matou alguém? — Pedro Paulo disse a primeiro coisa que lhe veio à mente.
Sabrina engoliu a saliva, olhou para a mãe que abaixou a cabeça como quem diz: segue que agora é por sua conta.
— Meu pai, o que quero dizer é que o convento só aceita virgens… — falou Sabrina temendo pelos sentimentos que despertaria em seu pai.
— Ah! Minha filha, a virgindade não é eterna. Mas fico apreensivo em saber que a perdeu. Tomara que tenha sido por um bom rapaz.
— Pai, foi por um bom rapaz…
— Sinto-me melhor ouvindo isso… — disse Pedro Paulo aliviado.
— Escute bem, Pedro Paulo. Acho que você bebeu demais e não está se dando conta do que está acontecendo aqui. Não estamos discutindo a virgindade de nossa filha, mas sim o seu futuro.
— E que diabos de futuro ela quer? — disse Pedro Paulo erguendo o volume de sua voz.
— O futuro para esse neto que está dentro dela! — disse Isabela quase que aos berros.
Um silêncio se fez. A ficha caiu finalmente para Pedro Paulo. Sabrina esfregava as mãos nervosamente. Ora ou outra acariciava a barriga numa atitude materna, instintiva. Isabela acariciava os ombros do marido para que ele se acalmasse. Pedro Paulo quebrou o silêncio.
— Não vamos nos precipitar. Chame seu namorado aqui. Vamos obrigá-lo a se casar — disse Pedro Paulo.
— Pai, não quero me casar. Foi apenas uma vez. Gosto de Igor, mas não sei se quero passar o resto de minha vida com ele. Ainda sou muito jovem.
Isabela enxergava em Sabrina a atitude que quis ter quando descobriu a gravidez. Secretamente admirava sua atitude. Talvez devesse ter feito o mesmo.
— Como assim não vai se casar? Vai abortar? Sabe que nossa sociedade recrimina mães solteiras.
— Não meu pai. Não sei nada sobre essa nossa sociedade hipócrita. Não estou nem aí para seus amigos. Estou pensando no meu futuro.
— Que garota insolente. Merece uma repreensão… — Pedro Paulo levantou irado como se fosse agredir Sabrina. Isabela o impediu.
— Calma meu amor. Vamos manter a compostura. Você nunca foi de se exaltar… — Sabrina tinha palavras doces para acalmar a situação. Pedro Paulo se controlou e voltou a se sentar.
— Pai e mãe, sinto muito por causar esse desgosto para vocês. Não tive intenção. Aconteceu…
— Acontece mesmo toda vez que alguém transa sem se prevenir — disse Isabela em tom de revolta.
— Mãe, me desculpe, mas acho que você e nem o papai são exemplos de moralidade aqui — disse Sabrina para encerrar a conversa.
Mais uma vez o silêncio tomou conta do ambiente. No fundo, nem Isabela e nem Pedro Paulo poderiam dizer algo. Mas Isabela tomou a iniciativa depois de alguns segundos. Sinceramente, pareceram minutos inacabáveis.
— Vamos fazer o seguinte… amanhã vou falar com Igor. Ele precisa saber o que está acontecendo. Se Sabrina vai ou não se casar, Igor precisa estar ciente de tudo que acontece. Dessa forma veremos o verdadeiro caráter dele.
A situação era muito tensa, por isso, todos concordaram com a ideia de Isabela. Nenhum deles queria prolongar a discussão sem necessidade.
* * *
No dia seguinte, logo as 11:30h, horário em que Igor retornava da escola, Isabela apareceu em sua casa. Chegou sem avisar. Sem alardes. Vestia uma roupa preta, de renda, colada ao corpo. Um chapéu no mesmo tom a protegia dos raios solares. Um óculos escuros escondia seus olhos.
A campainha tocou uma vez. Igor estava lavando o rosto no banheiro. O calor era insuportável. Não deu bola. Achava que era no vizinho. A campainha tocou novamente. Igor prestou atenção e teve certeza de que era no apartamento dele e foi abrir a porta para ver quem seria.
— Oi Igor. Como está? — disse Isabela baixando os óculos e olhando por cima deles. Observou o peitoral de Igor que estava sem camisa. — Posso entrar?
Igor sem saber o que fazer e estranhando a visita, fez sinal para que Isabela entrasse.
— Senhora Isabela, que surpresa agradável… — falou Igor com a voz alegre.
— Temo que não seja tão agradável assim… — falou Isabela parecendo ser portadora de notícias ruins. Igor ficou apreensivo.
— Por favor, senhora Isabela, sente-se por favor… — Igor ficou meio sem jeito, perdido.
— Obrigado Igor. — Isabela se sentou no sofá. Tirou o chapéu e os óculos e cruzou as pernas. No vestido justo as pernas tiveram que negociar os movimentos até elas poderem estar cruzadas. As curvas do corpo de Isabela eram bem sinuosas e ali Igor poderia se perder sem mesmo notar.
— Em que posso ajudá-la senhora Isabela?
— Me chame de Bela, por favor — sorriu Igor. — Queria falar com seus pais. Eles estão?
— Ah! Bela, eles estão trabalhando. Minha mãe retorna lá pelas e 17h e meu pai após as 18h. Mas eu ficaria imensamente feliz em poder ajudá-la.
— Temo que não possa — falou Isabela em tom de desprezo.
— É algo com Sabrina? Ela está bem?
— Não se preocupe. Ela está muito bem.
— Que susto Bela. Pensei que ia dizer que ela estava grávida…
Isabela olhou para Igor com espanto. Por que ele tocou nesse assunto?
— Ela te disse algo?
— Ela não disse. Mas a senhora acabou de me dizer. Ela está grávida, não é? — falou Igor num misto de desespero e apreensão.
— Sim! Ela está.
A primeira reação de Igor foi se virar de costas e levar as mãos ao rosto. Depois se virou para Isabela e continuou.
— Ela está pensando em ter esse filho? Se ela não quiser, posso ajudá-la…
— Como ousa dizer tal coisa? Está maluco rapaz?
— Me desculpe Bela. Não pensei direito. Sou tão jovem. Sabrina também. Não tinha um casamento nos meus planos…
— Nem no meu, Igor — irritou-se Isabela e se levantou do sofá. — Pensa que era essa a vida que sonhara para mim? Também engravidei com a idade dela, mas tive a sorte de meu namorado me amar e ter se casado comigo. — Isabela andou em torno da mesa de centro e voltou a falar. — Agora, quanto a você, deplorável sua atitude. Julguei que quereria se casar e assumir esse filho.
— Bela, não posso mentir. Isso acabaria com minha vida. Meu pai sonha que eu frequente a faculdade de engenharia. Se der essa notícia a ele nesse momento, o deixaria muito decepcionado e também a minha mãe.
— E como julga que estamos? Felizes por iludir minha filha só para levá-la para a cama? Me poupe… — Isabela virou as costas para Igor e passou a olhar para a parede, esperando que ele se pronunciasse.
Igor se aproximou de Isabela por trás. Parou bem próximo a ela e falou com voz mansa em seus ouvidos.
— Eu sei que não estão felizes. Isso não deveria ter acontecido. Eu nem sinto nada por Sabrina… — Ao ouvir isso Isabela se virou para Igor com raiva e pronto para lhe falar umas verdades.
As bocas de Isabela e Igor ficaram próximas e antes que Isabela descarregasse sua ira em Igor, os lábios do adolescente estavam grudados nos lábios dela. O beijo foi longo e molhado. Ao se soltarem, Isabela franziu novamente a testa e se preparou para fazer um discurso de ódio. Ele apenas tratou de silenciá-la com mais um beijo. Nisso os dois já estavam se abraçando. Em poucos segundos Igor tocava o corpo de Isabela. As roupas no chão foram questão de mais alguns minutos e Igor já penetrava Isabela com todo seu vigor. Dizer que Isabela não queria, seria mentira. O desejo acumulado em todos esses anos se transformou numa enxurrada de prazeres infinitos. Os dois copularam várias vezes. Depois do ato consumado, Isabela se recompôs, vestiu suas roupas e voltou a cobrar uma resposta de Igor.
— Então, Igor, o que falo para Sabrina?
* * *
Igor não queria se casar com Sabrina. Estava decidido. Disse para Isabela que assumiria o filho dando seu sobrenome e poderia ajudar financeiramente. Agora, jogar sua vida no lixo, jamais!
É claro que Isabela ficou revoltada com Igor. Se sentiu usada e saiu de seu apartamento furiosa. Precisava apenas pensar no que falar para Pedro Paulo.
— E então Bela? Como foi com o garoto? — questionou Pedro Paulo assim que Isabela retornou.
— Não trago boas notícias… Igor não quer casar com nossa filha.
— Que safado! Vamos lá falar com seus pais. Temos que resolver isso… — Pedro Paulo pegou uma blusa e rumou à porta de saída. Isabela o segurou pelo braço.
— Calma Pedro Paulo. Sabrina também não quer esse casamento. Talvez seja melhor assim.
— Eu não tenho certeza…
— Pedro Paulo. Vamos encarar os fatos. Eles são jovens. Cederam ao pecado da carne, assim como nós fizemos. Não pode culpá-los por isso.
— Eu sei. Mas me casei com você.
— Porque nos amávamos. Eles não se amam. Foi apenas uma atração física.
— Eu prefiro vê-la casada, mesmo que à força. — Pedro Paulo estava muito desorientado. Isabela se aproveitou desse momento para convencê-lo.
— Não vale a pena. Podemos dar um jeito…
— Mas que jeito? Será uma grande vergonha para nossa família. Não aguentarei a humilhação.
— Podemos viajar por um tempo até que a criança nasça. Depois damos a criança para adoção.
— E viajar para onde? E, além disso, por 7 meses. É muito tempo…
— Pedro Paulo, pense comigo… — Isabela organizou seus argumentos. — Sabrina está apenas de 2 meses. Não precisamos viajar agora. Até os 5 meses a barriga ainda estará bem discreta. Se fizermos isso só teremos que ficar longe por 4 meses.
Pedro Paulo, sentado no sofá, olhava para o chão como quem procura a solução. Começava a achar viável a ideia de Isabela.
— Igor disse que ajudará financeiramente. Vou conseguir dinheiro dele, nesses meses para bancar essa viagem.
— Dinheiro temos. Mas não me conformo desse sujeito ter se aproveitado de nossa filha. Se encontrar com esse rapaz sou capaz de matá-lo…
— Pedro Paulo, você tem todo direito de sentir raiva. Mas uma atitude como essa só arruinaria nossa família. Vamos manter as ideias no lugar, está bem?
Pedro Paulo concordou com a cabeça. Seus sentimentos ainda eram confusos. Organizaria sua vida. Era questão de tempo. Isabela acariciou o marido e lhe abraçou. Deu um beijo nos lábios e foi para seu quarto.
Continua...
O CACHORRO QUE CAIU DA MUDANÇA
por Dos Reis
IG: @cronopolisbr
Sentei-me. Decidido a não fazer nada, mas com um processador de texto aconchegado em meu colo, na minha pequena varanda, e comecei a exercitar a minha paciência, logo passei a escrever o primeiro rascunho do que viria a se tornar um conto minúsculo e improvável. Isso porque lembrei que, anos atrás, uma Kombi de mudanças atravessou a esquina sob os buzinaços dos carros e deixou um pobre homem espatifado no chão. Lembro que estávamos em janeiro ― quando se abre a temporada de mudanças, motivadas pelo eterno mito do “ano novo, vida nova”. Na ocasião fui até o pobre homem, que estava fatigado pela bebida, aos risos do embaraço em que ele se encontrava, estava mais disposto a conhecer a sua história do que a ajudá-lo. Em linhas gerais é o que segue.
A maioria dos veículos antigos não possui acomodações adequadas e também os cuidados dos condutores com a segurança são mínimos. Veículos nessas condições são expressamente proibidos de circular pelas avenidas das grandes cidades atualmente, mas, naquela época, ninguém fiscalizava. Na hipótese de um acidente o corpo da pessoa é facilmente arremessado para fora do veículo e o risco de morte é iminente. Mas, graças a Deus, não foi isso, exatamente, o que aconteceu com o nosso amigo bêbado, que vinha brisando, dependurado entre os móveis da carroceria de uma Kombi velha e enferrujada, pois ele milagrosamente sobreviveu, nem é o fato mais curioso dessa história, porque o que torna essa história, verdadeiramente, curiosa é o fato daquele homem ter ficado tanto tempo na calçada, sem falar coisa com coisa, boquiaberto, tão perdido quanto um cachorro que caiu do caminhão da mudança. Em um estado de embriaguez que ameaçava sua própria existência.
― Ei, você ― disse o guarda com autoridade desmedida ― Tem noção do que aconteceu?
― Sei, não ― respondeu o bêbado que caiu da mudança, levantando a cabeça e forçando a vista.
― Qual o seu nome? ― continuou o guarda.
― Caneco.
― Caneco? Só pode ser apelido. Não tem outro? O de batismo?
―Simei.
― Meu Deus! Mas deve ser esse mesmo ― anotou o guarda.
― É Simei do quê, meu senhor?
― Também não sei não, tá no documento.
― E onde está o documento?
― Tá em casa.
― E onde você mora?
― Segunda casa do Rio dos Córregos.
― É aqui perto?
― É não sinhô.
― E como você veio parar aqui?
― É mudança.
O pobre homem tinha sentido o veneno da caridade ao ajudar um amigo que lhe ofereceu uma garrafa em troca de uma pequena mudança. O pobre bêbado exigiu pagamento adiantado, mas não se atentou para o local aonde iria. A própria cidade natal era uma incógnita em sua cabeça, conhecia o nome do rio, que margeou sua vida, e sabia que o danado desembocava no grande Tietê, e que a cidade mais próxima era Ibitinga, fora isso conhecia somente o boteco do Seu Enoque, o resto, para ele, era como a água que corria no rio, não era coisa para se preocupar.
― Só me resta levá-lo para a delegacia ― explicou o guarda para os curiosos que circunstanciavam o bêbado. ― Se alguém procurar por ele avise para ir até à delegacia. Se bem que já estamos aqui há um tempão e nada.
O bêbado não contava com muita coisa, além dos deslizes da rotina.
― Se ninguém aparecer jogo esse homem na rua ― afirmou o guarda.
― Espera ele ficar sóbrio ― alguém sugeriu.
― Não acredito que isso mudará muita coisa ― lamentou o guarda. ― Ele não parece certo das ideias.
Logo os curiosos foram incitando um movimento contra o policial pelos direitos do bêbado.
― Deixa ele aí. Não faz mal a ninguém.
Eu nunca tinha pensado em defender um desconhecido. Mas ajudei o coro e fui contra o policial.
― Se é para jogar na rua, deixa ele aí ― eu disse com uma autoridade que não me compete.
― Tudo bem, fica por conta de vocês ― respondeu o guarda sem oferecer resistência.
Caneco foi ficando, feito um cachorro sem dono. Fazia qualquer favor por uma dose de pinga. Sempre foi respeitador, dormia sobre qualquer pano, comia o resto que lhe davam, tomava banho de chuva, corria atrás da criançada... em pouco tempo todos conheciam o pobre “Caneco”. Ninguém admitia que judiassem dele, ninguém deixava faltar comida, mas ninguém queria tê-lo em casa. E assim Caneco exercia seu direito, o direito de viver em paz consigo e com o seu mundo, o direito de não ter o rabo preso, o direito de não ter história. Nunca ouvi falar de alguém que tenha procurado pelo pobre Caneco, ainda que fosse para terminar a mudança pela qual recebeu adiantado.
Quem quiser encontrar o Caneco procure por toda extensão da Avenida Cupecê, em São Paulo, ele estará em algum ponto, bocejando ou degustando. Eu sempre o encontro às sextas-feiras, na Praça do Jardim Miriam, e ele sempre corre ao meu encontro e fala da seguinte maneira:
― O senhor de novo?
E eu respondo:
― Vim entregar uma sopa.
― Tem uma pra mim?
―É claro que tem. É claro que tem, Caneco.
FIM
NOSSOS COLUNISTAS
Luiz Primati, Alessandra Valle e Ricardo dos Reis.
Seu estímulo é importante para a minha teimosia, Luiz!😍
Admiro Alessandra pela sua teimosia em perseverar na busca pelos desaparecidos. Com tantos anos vendo casos sem soluções e alguns com desiderato aterrorizante, mesmo assim ela segue. Se fosse alguém de mente fraca ou comodista, já teria feito corpo-mole e se encostado no arquivo-morto. Daí era só abrir a gaveta de aço e deixar cair os prontuários lá dentro. Mas ela não é assim. Ela é capaz de esquecer do almoço, o filho na escola, a reunião de pais para resolver um caso de desaparecimento. É raro alguém com tanta gana após a vida bater-lhe tanto. Se tivéssemos mais "Alessandras" em nossa sociedade, teríamos mais esperança no futuro. Portanto, minha amiga, não deixe a chama se apagar. Continue buscando as…
Parabéns queridos (as) Contistas.
Escrever um conto não é de repente fazer um relato de algo. Um contista possui criatividades conectadas à sua imaginação num tear de acontecimentos inventados ou reais. E o que percebo é que o lúdico não é descartado de um conto, assim o trágico fica amenizado por um ou dois sorrisos. 😊