AUTORA ALESSANDRA VALLE
IG: @alessandravalle_escritora
Alessandra Valle é escritora para infância e teve seu primeiro livro publicado em 2021 - A MENINA BEL E O GATO GRATO - o qual teve mais de 200 downloads e 400 livros físicos distribuídos pelo Brasil. Com foco no autoconhecimento, a escritora busca em suas histórias a identificação dos personagens com os leitores e os leva a refletir sobre suas condutas visando o despertar de virtudes na consciência.
MORTO OU VIVO?
Parte 1
Estávamos esperando que nossos antepassados chegassem a qualquer momento.
A casa estava bem arrumada, perfumada pelo cheiro das rosas-brancas e iluminada pelas velas coloridas.
Os porta-retratos estavam bem limpos, sem poeira alguma e ressaltando a lembrança de uma época boa de convívio com aqueles que já partiram.
Os parentes vivos, chegavam e se amontoavam pela sala. A casa sempre cheia no dia dos mortos.
Particularmente, acho este dia triste, apesar da música e boa comida que é servida.
A separação entre os seres nos dois mundos, ainda que momentânea, traz-me sentimento de saudade intenso.
Os familiares encarnados, dançam, cantam, comem e se divertem, mas, na verdade, queria ver os nossos mortos e com eles poder diminuir a saudade que me assola.
— Eles podem nos ver e sentir — repete minha avó, quando se refere aos nossos entes que já partiram para a dimensão espiritual.
Toda vez que ouço essa afirmação, não consigo deixar de pensar que isso é totalmente injusto.
— Nós estamos aqui, cheios de saudade enquanto eles, livres, leves e soltos na pátria espiritual, podendo ver, ouvir e a tudo sentir.
Naquele dia, desisti de celebrar. Fui para o meu quarto e orei por todos os meus amores que desencarnaram.
Ninguém da família, pelo menos entre os vivos, sentiu minha falta. Será que quando eu morrer será assim também?
Durante a prece não percebi, mas adormeci. Sonhando, minha mente viajou até um lugar que parecia uma escola.
AUTOR LUIZ PRIMATI
Luiz Primati é escritor de vários gêneros literários, no entanto, seu primeiro livro foi infantil: "REVOLUÇÃO NA MATA", publicado pela Amazon/2018. Depois escreveu romances, crônicas e contos. Hoje é editor na Valleti Books e retorna para o tema da infância com histórias para crianças de 3 a 6 anos e assim as mães terão novas histórias para ler para seus filhos.
POMBOS
PARTE 3
Cansados da aventura que vivemos nesta noite, nada mais fizemos a não ser tombar nossos corpos num colchão e dormirmos o sono dos justos.
Felipe e eu alugávamos uma casa em Montenegro. Dois quartos, sala, cozinha, banheiro e um pequeno quintal no fundo. Ali levávamos algumas meninas para nos divertir ocasionalmente. Hoje nem pensar em fazer algo além de dormir.
Meu sono não foi tranquilo. Fiquei perturbado, assombrado pelas coisas que presenciei. O estado alterado da minha consciência, projetou as imagens que vi, misturadas com as fantasias ocultas na intrincada rede nervosa do meu cérebro, fabricando um filme psicodélico na retina ocular. Foi um alívio quando o sol raiou e me vi livre de tudo aquilo.
Sentei-me na cama, recordando as coisas que acontecera.
— Como fomos inconsequentes. — Exclamou Felipe que acabara de acordar.
— Bom dia, Felipe. Dormiu bem?
— Como um anjo cansado.
— Tive alguns pesadelos.
— Não é para menos, fica xeretando onde não se deve.
Um momento de silêncio se interpôs.
— E aí, Leonardo? O que você tem para me contar?
— Muita coisa. Depois do banho te conto.
— OK!
Uma ducha morna foi a melhor coisa que meu corpo recebera naquelas últimas vinte e quatro horas. Incrível como um banho rejuvenesce.
Na mesa do café, entre um gole e outro, comecei a narrar os fatos para o Felipe.
— O que vou te contar, é bom ficar entre mim e você. Pelo menos até que eu tome alguma decisão sobre as coisas que vi.
Felipe ficou apreensivo.
— Pois bem, ao parecer da verdade, é que os salgadinhos da Dona Helvina não são recheados de frango e sim de carne de pombo.
Felipe tentou retrucar, mas não deixei que prosseguisse.
— Sei que vai me dizer que muitos caçadores comem carne de aves, mesmo de pombos e que é uma delícia. — Fiz uma pequena pausa. — Concordo também, só que Dona Helvina não parecia contentar-se com isso.
Tomei um gole de café para tomar folego e continuar a narrativa.
— Quando fiquei preso na cozinha, Dona Helvina entrou com um pombo numa das mãos. A velha pegou uma vasilha imunda do armário. Tão suja que parecia nunca ter sido lavada. Colocou o pombo dentro e cravou-lhe uma faca no peito com o pombo ainda vivo. Pude ver o sangue vermelho escorrendo na vasilha. Comecei a ficar apavorado de ver uma cena tão vil. O pobre pombo, indefeso, nem ao menos tentou escapar, como se a morte fosse inevitável. Apenas um gemido estrangulado pude ao fechar os tristes olhos, desfalecendo entre os dedos de tão horrenda criatura. Estava muito apavorado para fazer algo pelo pobre coitado. Foi então que a velha se distraiu com o barulho que você provocou, e aproveitei para fugir.
— Velha maldita. Como pode ser tão cruel? — Felipe estava muito revoltado. — Por que tirar o sangue do animal vivo?
— Acho que sei onde tem a resposta para esse mistério.
Lembrava-me de ter lido algo num livro de ocultismo. Revirei meus livros na estante. Peguei um volume intitulado “A FEITIÇARIA ATRAVÉS DOS SÉCULOS”. Folheei algumas páginas e lá estava:
“… em sessões de bruxarias, os participantes do ritual satânico, bebem o sangue quente de um animal, tirado enquanto este continua vivo.”
Veja aqui mais a frente:
“… o animal preferido pelo demônio em sacrifícios, como muito se tem debatido nos últimos tempos, com certeza é o ‘Pombo’, proclamado por Deus como o símbolo do Espírito Santo e da paz universal, dignificando-o em algumas passagens da Bíblia, ‘A ARCA DE NOÉ’, por exemplo.”
— Será que deu para perceber?
— Ela é uma bruxa! — Exclamou Felipe admirado. — É repugnante demais. Chega a me dar nojo daquela velha com seus salgadinhos.
— Muito cuidado com o que sabe. Pode se tornar uma arma, mesmo contra nós.
— E o que vamos fazer com a velha?
— Por enquanto nada. Vamos pensar com calma até achar uma solução para puni-la.
— E se formos a polícia?
— E como vai explicar o modo pelo qual ficamos sabendo tudo isso? Não podemos dizer que pulei o muro que entrei na casa dela. E além de tudo, você é cúmplice.
— É verdade.
Felipe ficou olhando para o nada, pensando no que eu dissera.
— Vamos! Acabe de tomar o café para descermos para o escritório.
— Perdi a vontade de tomar café.
Saiu para o quarto para terminar de se arrumar.
— Onde estão minhas panelas? — Berrava Marta em mais uma de suas crises de histeria, e mais uma vez, a manhã prometia um dia duro. Ao ouvirmos os berros de Marta, quando chegávamos ao escritório, notei que o Felipe engolir a seco.
Retirou-se sorrateiramente para o fundo do escritório.
— Quero as minhas panelas, já! Não quero nem saber como, mas elas vão ter que aparecer.
Cheguei na minha sala e Felipe já se encontrava trabalhando.
— Felipe, acho que você sabe sobre as janelas.
— Eu? Não sei de nada. — Continuou seu trabalho tentando mostrar-se despreocupado.
— Felipe? — Chamei-o num tom acusador.
— Como você queria que eu te tirasse de lá ontem à noite? — Entregou-se.
— Você jogou as panelas da Marta no quintal de Dona Helvina?
— Eu não sabia o que fazer. Foi a única ideia que me ocorreu no momento.
Está explicado o estardalhaço que eu ouvira. Panelas de alumínio e aço, chocando-se contra o concreto após uma queda de 3 m, só poderia causar aquele espalhafato todo.
— Temos que recuperar estas panelas, senão as coisas podem se complicar para nós.
— Você está louco? Ela vai te reconhecer.
— Você não. Temos que achar outra pessoa.
Andava de um lado para o outro à procura de uma solução. Precisávamos de alguém de confiança. Mas quem?
— Já sei! O Lucas!
— O que tem o Lucas?
— Vou pedir a ele. Chame-o, por favor.
Era a única chance de continuarmos anônimos pelos nossos atos. Dona Marta consegue tudo. Poderia fazer aquele fato tornar-se até manchete de jornal. Seríamos descobertos.
Lucas chegou.
— Lucas, você me faz um favor?
— Faço! — Olhou desconfiado.
— Sem perguntas?
— Claro! — Ainda desconfiado.
— Sabe as panelas que sumiram e que faz a Dona Marta berrar lá na frente? Caíram no quintal da Dona Helvina.
— Ué, como foram parar lá?
— É uma longa história. Depois te conto. Quero que você faça o seguinte: Vá até a casa da Dona Helvina e peça as panelas de volta. Diga que a empregada deixou-as secando sobre o muro e acabou esquecendo. E ao ir embora, o vento ou algum gato deve tê-las derrubado durante a noite.
— Pode deixar comigo.
— E por favor, não comente com ninguém.
Lucas saiu. Ficamos na expectativa de que tudo desse certo. Felipe se mostrava muito preocupado. Eu também estava.
Algum tempo se passou e Lucas retornou com a boa notícia.
— Tudo certo, Leonardo. — Falou Lucas num tom vitorioso.
— Você conseguiu?
— Claro!
— Dona Helvina te devolveu as panelas?
— Sim!
— E onde é que elas estão?
— No quintal. Entrei pelo portão lateral do escritório. Alguém esqueceu aberto.
Felipe olhou-me com ar de confissão.
— Muito obrigado Lucas.
— E as panelas? Vão ficar no quintal? Dona Marta está que nem uma louca procurando por elas.
— Alguém já procurou no quintal? — Interroguei-lhe com uma ideia em mente.
— Acho que não.
— Então deixe-as lá mesmo que, cedo ou tarde, alguém as encontrará.
Lucas ia saindo e, como se lembrasse de algo, voltou.
— Leonardo? Parece que a Dona Helvina não acreditou muito nessa história. Olhou-me estranhamente como se esperasse eu confessar que mentia. Essa velha é muito esperta e perigosa.
— Por que diz isso?
— Por nada. Apenas acho que ela é perigosa.
— Vamos lá. O que você sabe? — insisti.
— É uma história besta…
— Conta! — Implorou Felipe.
— OK! A Dona Helvina já teve outro filho. Ninguém sabe por que, mas ele se suicidou. Enquanto Dona Helvina estava no trabalho, ele pegou uma faca e cortou o próprio pescoço. Rompeu a aorta. Morte instantânea.
Felipe me olhou receoso.
— Como você sabe disso? — Indagou Felipe.
— Bem, nessa época eu trabalhava no hospital e a velha levou-o na esperança de salvá-lo. Era tarde. Como eu disse, morte instantânea. A velha pediu para que fosse mantido em sigilo a ‘Causa Mortis’. Alegou que o fato poderia prejudicá-la nos negócios. O mais estranho é que Dona Helvina não derramou uma lágrima. Parecia até um pouco aliviada com a morte do filho.
— Está bem. Pode voltar ao seu trabalho.
Lucas se retirou. Eu e Felipe tentamos concentrar a atenção no trabalho.
As imagens que vi projetavam-se insistentemente na minha cabeça. De toda maneira, procurava pensar em uma maneira de punir a velha pelos seus atos.
Se fosse à polícia, passaria por louco. Ameaçá-la por telefone também não a assustaria. Tinha de haver uma maneira de parar a chacina dos pombos e seus rituais satânicos.
O dia passava. Juliana achou as panelas no quintal. Lucas, vez ou outra cobrava de mim uma explicação. Ia tapeando com uma desculpa ou outra.
Passou-se um dia, e mais um. Lucas se cansara de fazer perguntas. Deve ter esquecido. Felipe não tocou mais no assunto da velha Helvina. Somente no meu íntimo, continuavam os martelos batendo a procura de uma saída.
Continuei observando os pombos, agora em número bem reduzido, ainda liderados pelo pombo-branco que eu libertara. O dia parecia como outro qualquer, não fosse pelo pressentimento que me assaltara repentinamente. O pombo-branco parecia querer me transmitir algo. Um aviso, um recado, sei lá. Por dezenas de minutos olhei-os voando em suas rotas pré-traçadas, como se reconhecessem o lugar para um ataque. Como os aviões na guerra que fazem o reconhecimento do terreno antes do ataque.
Ainda era cinco horas da tarde. Faltava uma hora para o expediente terminar. Felipe ainda não voltara do serviço externo que eu lhe havia encarregado.
A medida que olhava os pombos, assimilava a mensagem que eles emitiam. Meu subconsciente sugava toda a informação, embora meu consciente não conseguia explicar as palavras.
— Leonardo? — Entrou Felipe com um ar desesperado. — Acha que estou numa fria.
— O que aconteceu? — Perguntei-lhe já prevendo o pior.
— A velha Helvina.
— O que têm? — Já preocupado.
— Me reconheceu.
— Tem certeza? Como?
— Quando chegava aqui no escritório, topei com a velha saindo. Fitou-me bem antes de perguntar se eu havia achado minha tia, com um sorriso muito tenebroso. Disse-lhe que não havia entendido. Ela voltou a repetir a pergunta. Tornei a fingir que não sabia do que falava. Irritou-se dizendo-me para não a fazer de idiota, pois sabia tudo sobre mim. Continuei negando, embora ela não abandonasse aquele sorriso sarcástico. Deixe-a sozinho com o pretexto de que tinha muito serviço. Estou apavorado. O que faremos?
Felipe tremia como vara verde. A sensação que o abordara, tomou conta de mim e num impulso, sem saber de onde vinha, disse-lhe:
— Hoje à noite tudo se resolverá. — Falei num tom calmo e seguro. — Vamos voltar aqui, só para olharmos. Tenho um plano que não pode falhar. Em casa combinaremos melhor. Damos uma arrumada no escritório para irmos embora.
Continua...
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